terça-feira, 13 de setembro de 2011

A Era do M(ediev)al





A Idade Média é tida para muitos um tempo bonito da história, cujas pessoas vestiam-se com seus trajes especiais, emblemáticos e belos, viviam de forma simples e singela e tinham um rei para amar ou odiar - ou ao menos, obedecer. Apesar de todos saberem superficialmente que eram, também, tempos difíceis, em que a hierarquia social era pesada e os camponeses e servos, bem como aqueles que eram contra os princípios reais e católicos eram punidos, não raro trombamos com pessoas que queriam viver naquela época. Os filmes famosos sobre o Tempo Medieval são, normalmente, encantadores, cheios de emoção e fantasia.




Você gostaria de viver na Idade Média? Bem, eu não.



Eram tempos especiais, para todo mundo. Bom para uns poucos ricaços reais, ruim para a enorme massa pobre e insatisfeita. Um tempo em que ninguém tinha direito à nada, em que a hipocrisia corria solta por todos os lados, em que a vida era miserável, contrastante e severa. Mmmm, parece que estou descrevendo a atualidade, mas não. Temos sim desigualdades, hipocrisia, violência, sadismo, injustiça, mas absolutamente nada se compara àqueles tempos.

Passeando pelas ruas maravilhosas que cheiram à história e romantismo da Europa, qualquer turista encantado não deixa de visitar os castelos e construções medievais existentes ali que ele só viu nos filmes. Alguns desses lugares não passam de ruínas, outros foram transformados em museus e pontos turísticos. Construções magnificas de fato, mas no lugar do cheiro de história de outrora, passa a vir um certo cheiro de morte e de dor. E de repente você descobre que as pessoas naquela época morriam. Por motivos até que plausíveis - se é que podemos dizer assim... -... ou por motivos banais, sem motivo... elas morriam, querendo viver, querendo morrer logo, de qualquer jeito, de todos os jeitos imagináveis.



De repente você descobre que por trás daquelas torres altas existiam punições ridículas! Qualquer ínfima desculpa servia para que você, pobre cidadão da Idade Média, fosse torturado cruelmente, ou dentro das torres ou em praça pública, assistido pela população ávida por sangue. Tudo era permitido pelo rei e pelo Papa, as mais cruéis e terríveis formas de tortura.







Essa semana tive a oportunidade de visitar uma cidade fofíssima chamada Gent, no norte da Bélgica. Essa cidade possui um centro histórico riquíssimo, com catedrais góticas, museus interessantíssimos, ruas do tempo medieval e, a construção mais impressionante que já vi em toda a minha vida: o Castelo de Gravensteen.



Esse Castelo foi construído pelos condes belgas da época (séc. 12) para proteger a cidade de possíveis ataques. No mínimo, emocionante...



Vista linda da cidade do alto das torres, as pedras usadas no castelo dão um toque especial à construção, e dentro dos cômodos e salões lá de dentro existe esse ar pesado e frio, mas que certamente era bem diferente tantos anos atrás por terem as gigantes lareiras e candelabros acesos para que o rei tivesse uma vida aconchegante ali dentro. Mas esqueça aquela idéia romantizada que você tem de tudo isso. Uma vez lá dentro, você percebe que a vida ali dentro ou ali fora era um pesadelo e agradece a Deus por ter nascido hoje em dia.




Logo que você entra, em um largo salão que poderia bem ter sido o hall do castelo, hoje estão em vitrines os trajes dos soldados reais e suas armas. Armaduras medievais complexas, armas trabalhadas, espadas de mais de dois metros de comprimento, adagas, punhais, massas, machados, lanças, revolveres, etc, etc...



Conforme você caminha por dentro do castelo, é obrigado a passar pelos estreitos e sinistros corredores e escadas com degraus imprecisos. A atmosfera ali é bem pesada, mas muito emocionante. Eis que trombamos com a 'sessão terror' quando nos deparamos com a guilhotina usada para executar criminosos (ou não) tal qual era usada na época. Boa parte dos artefatos do castelo não passam de réplicas, mas a guilhotina é original, já enferrujada e manchada. - E saquinho na frente devidamente posicionado para receber a cabeça decapitada do sujeito.


Enquanto era assassinado, um padre rezava por aquela alma. Na verdade, os religiosos estavam presentes na grande maioria das punições efetuadas pela coroa, seja torturas desumanas, seja simples decapitações. Tudo precisava do aval da igreja - não que não fosse possível matar ou morrer sem a sua permissão... bastava fazer de forma discreta.




Em seguida, nos deparamos com vitrines repletas de aparatos dos mais engenhosos para torturar prisioneiros. Os prisioneiros consistiam em homens ou mulheres que ofenderam o rei ou a igreja - ou a sociedade como um todo - de alguma forma. Mulheres fofoqueiras ou mentirosas, por exemplo, eram condenadas a vestir um capacete de ferro por algumas semanas ou meses, muitas vezes contendo enfeites que lembram orelhas de burro, e com sininhos para que todos saibam que ela estava por perto. Eis tal capacete na foto:



























Homossexualismo, poligamia, adultério, aborto e coisas do gênero que ofendem os princípios morais da Igreja eram tratados de forma especial. As mulheres podiam ter os seios arrancados ou completamente esfolados com o aparelho da primeira imagem. As outras duas imagens são de artefatos destinados à ambos os sexos: a Pera da Angústia (no meio) vai abrindo as "pás" conforme o torturador gira a chave no topo. Era colocado na vagina ou no ânus dos acusados de atentados sexuais e na boca de mentirosos ou daqueles que difundiam a discórdia ou blasfêmia. Ela é tão forte e "eficiente" que pode estirar e até romper músculos e ligamentos, estragando bastante onde quer que seja colocada. E finalmente, o "Berço de Judas", um banco pontiagudo onde o prisioneiro era colocado sentado, de forma que a ponta ía entrando e abrindo - e estragando - vagarosa e dolorosamente seus órgãos íntimos. Esse banco, no castelo de Gent, tinha uma ponta muito mais aguda do que na imagem.







No Castelo, pude me deparar com o queridinho dos torturadores da época, o Waterboarding. Há quem diga que esse método é usado até hoje por soldados americanos, mas aí já não sei...

Consiste em uma daquelas camas de madeira em que vemos comumente em filmes, onde o prisioneiro é preso com os braços para cima e os pés atados por cordas, e à medida que o torturador força a alavanca, a corda de cima e de baixo são puxadas, deslocando vagarosamente os braços e pernas do cidadão. Pois é, como se não bastasse, eles também colocavam um funil na boca do preso e íam despejando àgua ali para encher o estômago e inchar o ventre do prisioneiro, fazendo ter dores horríveis, além de provocar vômito, afogamento, hemorragias internas, etc...


As formas de tortura eram as mais variadas possíveis! Coleira de espinhos, empalamentos, afogamentos, expremedor de crânios, fogueira humana, muitas pessoas eram executadas por simplesmente serem acusadas de bruxaria, sem haver qualquer prova ou evidência, por preconceito, por interesse, enfim, os camponeses eram simples coisas a serem usadas pelo rei ou pela Igreja para entretenimento, sadismo, loucura. O Castelo lindo, imponente, mágico... foi erguido em tempos tão severos e cruéis e usado para saciar essa maluquice humana de querer impôr comportamento uns nos outros. Nego tinha sede de sangue, tá louco!



Bom, e assim, a visita ao castelo foi incrível. Porque, por mais que todo esse horror está lá para quem quiser saber - e creio que é muito importante que isso seja mostrado tal qual aconteceu, claro - depois de ver essas coisas é possível respirar aliviado e ter aquela sensação de que o mundo está muito melhor hoje em dia, sim. Tudo está evoluindo gradativamente. Para o bem.



--- Ouçam The Mystic's Dream, da Loreena McKennitt.






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