segunda-feira, 28 de maio de 2012

Carta sobre a felicidade


...à Meneceu

Epicuro envia suas saudações a Meneceu.

Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la. Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz.

Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bemaventurado, como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade.

Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses, ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja
diferente deles.


Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efémera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.

Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.

Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.

O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal.

Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.

Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem não passa de um tolo, não só pelo que a vida tem de agradável para ambos, mas também porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e em honestamente morrer. Mas pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do Hades.

Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for esse realmente seu desejo; mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que brincadeira não admitem.

Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais. Consideremos também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo.

Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo, não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir.

É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor.

Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem.

Consideramos ainda a auto-suficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.

Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita. Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor as vicissitudes da sorte.

Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de urna mesa farta que tomam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade.

Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.

Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanhara a censura e o louvor? Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das homenagens que lhes prestamos, ao passo que o destino é uma necessidade inexorável.

Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser desafortunado e sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom projeto não chegue a bom termo, do que chegue a ter êxito um projeto mau.

Medita, pois, todas estas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre bens imortais.

Tradução baseada na edição de G. Arrighetti. Epicuro. Opere: Torino, 1973.

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terça-feira, 15 de maio de 2012

What if I'm alone?


Eu não gosto muito de discutir religião, sabe... acho esse assunto um tanto pessoal e que deve ser respeitado como opção de cada um e ponto. Eu me interesso pelo assunto, ouço o que as pessoas têm a me dizer, mas nunca julgo a escolha de ninguém.
Se você quer saber a minha religião, eu não sei. Não sei se acredito em qualquer doutrina, não sei se acredito em Deus, e não posso dizer que sou ateia também. NÃO SEI, e não vejo problema nenhum nisso.

Outro dia, vi uma matéria do Yahoo sobre um menino australiano, o Shaun, de 17 anos, que fez um vídeo e o publicou no Youtube dando adeus ao mundo e agradecendo as pessoas que lhe deram força. Ele tem uma doença cardíaca incurável e os médicos lhe deram apenas mais algum (pouco) tempo de vida. 
Se eu não sei minha religião, sei menos ainda o por que eu sempre (SEMPRE) vejo os comentários das pessoas de qualquer publicação na internet. É sempre muito frustrante. Tanta gente falando asneira... mas no caso desse vídeo tocante do Shaun, o sentimento que me veio foi além da frustração. Muita gente desejava melhoras ao menino e tentava lhe confortar dizendo que há um propósito divino para que tudo isso aconteça. Então, os ateus comentavam os comentários dessas pessoas dizendo que são idiotas em ficar dando esperança ao menino baseado em Deus, "esse ser inexistente e que habita apenas o imaginário humano".
Se é imaginário ou não, como já disse, eu não sei. Mas realmente, os ateus vivem clamando a atenção geral para o fato de que não são respeitados pelos religiosos, quando na maioria das vezes são eles que eu vejo desrespeitando a fé alheia. Uma coisa é você não acreditar, outra coisa é você ter raiva de quem acredita. Se alguém poderia se ofender com os desejos de melhoras ao Shaun baseado no divino, esse alguém deveria ser o próprio Shaun! Eu não consigo entender o que motiva esses ateus a destruir as esperanças dessas pessoas! 
Um dos comentários dos ateus era de que 'a religião só serve para controlar as massas' mas eu não vejo dessa forma, eu vejo sim muitas pessoas vivendo de forma saudável porque acreditam em uma força maior e de forma alguma sendo controladas por um padre ou líder espiritual qualquer. Eu vejo pessoas largando dos vícios, perdendo medos inúteis e desejando o bem ao outro graças à fé. E no caso do vídeo do menino, as pessoas usando suas religiões para confortar o garoto, então, ateus revoltados, revisem seus conceitos a respeito das religiões porque elas não são APENAS usadas para controlar as massas. 

Eu sei tanto quanto você que as religiões causam guerras, que o catolicismo já causou inúmeros assassinatos (quando não matou com as próprias mãos) 'em nome de Deus' e até hoje muitos usam desse discurso religioso para tirar dinheiro dos mais pobres e dominar grandes massas. Isso existe, é claro, não só em instituições religiosas, mas em muitas outras. Mas o ateu preocupado com a alienação dessas massas não age dessa forma, tão intolerante quanto os religiosos que geram violência. A intolerância religiosa também tem sido gerada por ateus, e isso é realmente desprezível, pois o ateu normalmente usa o argumento de que não há lógica para acreditar em Deus, mas onde há lógica em se comportar como os religiosos irracionais que ele tanto detesta?

Deixo aqui meu desabafo quanto à intolerância religiosa e um apelo aos ateus que têm raiva das pessoas que tem fé: se quer mesmo seguir adiante, estudo um pouco sobre antropologia, filosofia, esses estudos que procuram entender a mente e o ser humano, e você vai ver que a fé, Deus e entidades fantásticas sempre povoaram a mente humana das mais diversas maneiras, nas mais diversas civilizações, é algo nato do homem, quase que inerente a ele. Hoje vivemos um momento mais realista, em que o número de ateus tem crescido (ao menos é o que eu percebi), mas não julgue as pessoas que ainda acreditam. Essas entidades fantásticas podem não existir, mas confortam as pessoas, aliviam suas angústias, as fazem bem, então o que você tem a ver com isso? Por acaso você está fazendo alguma coisa lógica e realista para ajudar alguém? Para aliviar tais angústias? Por acaso você conhece algo que possa substituir tudo o que Deus representa na vida dessas pessoas? Não consegue compreender, com toda a sua 'inteligência', que Deus é a terapia dessas pessoas?

Só Deus sabe como eu queria ter a fé que essas pessoas têm. Elas vivem muito melhor do que eu, sem medo da morte, sem medo do abandono, acreditando sempre que há um pai amoroso e misericordioso olhando por elas. Seria, definitivamente, um alívio.

*Ouçam Spirit of the Plants, da Lisa Thiel, não só porque é uma música sobre o paganismo mas também porque ela narra a sensação daqueles que têm fé.

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