quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

"Queria que Deus ouvisse a minha voz.."


Outro dia peguei um ônibus, como há muito tempo não fazia. Fiquei chocada...

Um grupo de manos entrou, passavam na roleta aos pares para pagar menos e o motorista, coitado, não dizia nada a fim de não arrumar dor de cabeça.


A única moça que acompanhava o bando (e era feia hein... barriguinha flacida pulando da calça jeans apertada, cabelo mal alisado, andava sem rumo, provavelmente bebada - ou drogada, sabe-se lá) vinha com um celular tocando alto o seguinte refrão, o qual ela cantava junto aos berros "Você vem falar de amor agora que eu virei puta... puta... puta... agora eu sou puta..." (!!!). Os demais, não preciso descrever, tem os traços típicos dos manos da atualidade. Fui ficando meio apavorada, fingi estar com muito sono e deitei a cabeça no vidro. Fiz bem, pois o grupo ficava amolando quem se atrevia a olhá-los ou simplesmente estar por perto por um infortúnio do destino. Agressivos uns com os outros e com os demais. Ao passarmos por uma escola pública, a moça gritou "Porra, mano, que saudade da escola! Lembra quando a gente dominava ali, lembra? Pô, a gente apavorava" - coisa que já imaginava. Mas não foi o preconceito contra essa tribo que me motivou a escrever o post. Os manos me incomodam um pouco, uma vez que já presenciei um amigo sendo espancado por um bando deles no meio da rua. O rap me perturba um pouco também, com aquelas batidas fortes e letras pesadas sobre a violência. Porém os manos com quem convivo não me incomodam não. Como trabalho na periferia, lido com eles o tempo todo, e como faço isso há mais de 11 anos, os manos agressivos de agora foram as crianças de infância sofrida de outrora. Sem demagogias.


Lembro de alguns casos que me impressionavam.. como as crianças me pedindo o chiclete que eu estava mastigando.. ou o pai que pedia pão duro mas levava dinheiro para comprar cigarro. Havia aquele menininho gago e frágil que vi apanhando na minha frente do pai enorme que tinha por ter perdido o dinheiro do leite, também uma mulher acusada de espancar os filhos aparecendo no noticiário e a reconheci: uma de minhas clientes! Camburões da polícia de onde se via pés de cadáveres apoiados no encosto dos bancos traseiros e, mais tarde, soubemos que foram assassinados na frente dos filhos por traficantes. Aquela mocinha pobre que estava grávida pela 4° vez... recentemente uma senhora morreu de infarto fulminante dois dias depois de dar a luz, era catadora de recicláveis e tinha sarna.. pois é.


São coisas que a gente vê e nos comovem. Os manos criados ali não me assustam... eu sei suas histórias, sei o que vivenciam, essa revolta que nada mais é do que falta de atenção, de afeto. São transparentes para o poder público. Não veem oportunidade de se dar bem na vida, senão fazendo de sua revolta sua arma. E, sinceramente, são muito os casos de crianças que eu logo imaginei seu fim no crime... não por pessimismo, não por preconceito, mas aquela criança cuja sociedade não dá abertura.. Que mora com os pais e mesmo assim não tem família.. Que está matriculado e mesmo assim não tem educação (aqui no sentido pedagógico da coisa). Não tem saúde, não tem paz, não tem moral. Não tem brinquedos nem inspiração para brincar porque sua realidade é dura demais para que ria. Me corta o coração, mas esperança é uma coisa que eu não alimento sem realismo.


Por fim, eu não os defendo porque tudo o que eu faço é tentar sobreviver tanto quanto eles. Eu tive mais oportunidades (bem mais), isso não implica que tenho de ser castigada. Mas também não os odeio. Eu os temo porque suas vidas sofridas os fazem fortes, eles não temem nada nem ninguém, uma vez que não tem nada a perder. Minha atitude inicial (fechar os olhos e fingir que não estou ali para que não me perturbem) é a atitude que o poder público tem com essa sociedade judiada e esquecida.


>Longe de mim generalizar. Abordo aqui os manos das periferias, os marginalizados.



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sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Mais uma saudosista...


Manter-se acordada


"Talvez hoje eu não aguente.

Muita coisa mudou faz um tempo.

E tudo que tento... me sento

Tudo há seu tempo.


Talvez hoje eu não me cale

Muita coisa pede que eu fale

E tudo que calo... que guardo

Tudo me faz mal


Eles dizem que sou rebelde

Apenas cansei de ser objeto

Triste, desprovida de afeto

Um inseto


Pai, o desgaste é demais

Tanto desgosto, o azar que me traz

Anda difícil aceitar ser menosprezada

Manter-me acordada

e calada."
Ísis Brito, 2004. - Porém este pequeno poema permanece atual... sob outros aspectos. (rs)

Ao pó voltaremos...


"Ela ficou muda. As vezes ela sente medo, as vezes está cansada. Hoje cansou-se demais...

Descobriu que as pessoas morrem e que morrerá também.

Descobriu que a vida é algo sarcástico, que te faz sofrer, porque te mata quando você começa a amá-la.

Será? Pode ser.

Descobriu que se pode ser triste. Descobriu que a depressão é realmente uma doença. Descobriu que, há algumas horas atras, ela não sabia nada e nesses 5 minutos tudo ficou claro, óbvio...

Descobriu que pode ser que a vida não tem nada de mágico. Que se acaba, assim como o papel se desmancha no fogo, como a maçã apodrece no campo, como a fumaça se esvai com o vento ao abrirmos a janela...

Tudo se acaba o tempo todo a nossa volta. E ela vai acabar um dia.

E descobriu mais: o mundo vai voltar a ser exatamente a mesma coisa que era antes dela nascer assim que ela acabar.

Ela não vai embora. Não não.

Ela também não vai fazer viagem alguma.

Apenas acabar. Sumir.

Assim como tudo um dia some, tudo se desfaz, tudo vira pó."


Ísis Brito, 2003. Alguma coisa me diz que eu não estava legal nessa época...
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